terça-feira, 10 de abril de 2012

"poderá ter morrido. ressuscita"

poderá ter morrido. ressuscita
  
poderá ter morrido. ressuscita
neste lugar humano, pobre fio
de água verbal que vai a medo, hesita,
e teme desmedir-se como um rio.
  
e muita coisa nele se derrama,
dita e não dita, pressentida, densas
aluviões, emaranhada trama
de obscuras raízes e presenças.
  
virão dias, semanas, meses, anos,
e os ciclos dos astros indiferentes,
mover-se-ão na mesma os oceanos
e as placas que sustentam continentes.
  
mola do mundo, o coração aviva
a chama desta lâmpada votiva.
Vasco Graça Moura (2001), sonetos familiares - lâmpada votiva, Poesia 1963-1995, Círculo de Leitores 

domingo, 1 de abril de 2012

Farmville com... Rilke




DE UM ABRIL

Volta a rescender a floresta.
Ao voar, as cotovias
erguem consigo o céu, que nos pesava nos ombros;
apenas se via ainda o dia entre os ramos, como estava vazio, -
mas após longas, chuvosas tardes,
chegam as novas horas
sobredouradas de sol,
diante das quais, ao fugir, em longínquas fachadas
todas as janelas feridas
batem temerosas suas portadas.
Depois faz-se silêncio. Até a chuva escorre mais mansamente
sobre o escuro brilho das pedras.
Todos os ruídos se ocultam
nos refulgentes botões dos rebentos.

Rainer Maria Rilke
(O livro das imagens, Relógio d’Água, trad. M. João Costa Pereira)